terça-feira, 26 de abril de 2011

O melhor da terapia...

Luis Fernando Veríssimo (?)

O melhor da Terapia é ficar observando os meus colegas loucos.
Existem dois tipos de loucos. O louco propriamente dito e o que cuida
do louco: o analista, o terapeuta, o psicólogo e o psiquiatra.  Sim,
somente um louco pode se dispor a ouvir a loucura de seis ou sete
outros loucos todos os dias, meses, anos.  Se não era louco, ficou.

Durante quarenta anos, passei longe deles. Pronto, acabei diante de um
louco, contando as minhas loucuras acumuladas. Confesso, como louco
confesso, que estou adorando estar louco semanal. O melhor da terapia
é chegar antes, alguns minutos e ficar observando os meus colegas
loucos na sala de espera. Onde faço a minha terapia é uma casa grande
com oito loucos analistas. Portanto, a sala de espera sempre tem três
ou quatro ali, ansiosos, pensando na loucura que vão dizer dali a
pouco. Ninguém olha para ninguém. O silêncio é uma loucura. E eu, como
escritor, adoro observar pessoas, imaginar os nomes, a profissão,
quantos filhos têm, se são rotarianos ou leoninos, corintianos ou
flamenguistas. Acho que todo escritor gosta desse brinquedo, no mínimo,
criativo. E a sala de espera de um "consultório médico", como diz a
atendente absolutamente normal (apenas uma pessoa normal lê tanto
Paulo Coelho como ela), é um prato cheio para um louco escritor como
eu. Senão, vejamos: Na última quarta-feira, estávamos:

 1. Eu
 2. Um crioulinho muito bem vestido,
 3. Um senhor de uns cinqüenta anos e
 4. Uma velha gorda.

Comecei, é claro, imediatamente a imaginar qual seria o problema de
cada um deles. Não foi difícil, porque eu já partia do principio que
todos eram loucos, como eu. Senão, não estariam ali, tão cabisbaixos e
ensimesmados.

2. O pretinho, por exemplo. Claro que a cor, num país racista como o
nosso, deve ter contribuído muito para levá-lo até aquela poltrona de
vime. Deve gostar de uma branca, e os pais dela não aprovam o namoro e
não conseguiu entrar como sócio do "Harmonia do Samba". Notei que o
tênis estava um pouco velho. Problema de ascensão social, com certeza.
O olhar dele era triste, cansado.Comecei a ficar com pena dele. Depois
notei que ele trazia uma mala.  Podia ser o corpo da namorada
esquartejada lá dentro. Talvez apenas a cabeça. Devia ser um
assassino, ou suicida, no mínimo. Podia ter também uma arma dentro.
Podia ser perigoso. Afastei-me um pouco dele no sofá. Ele dava olhadas
furtivas para dentro da mala assassina.

3. E o senhor de terno preto, gravata, meias e sapatos também pretos?
Como ele estava sofrendo, coitado. Ele disfarçava, mas notei que tinha
um pequeno tique no olho esquerdo. Corno, na certa. E manso. Corno
manso sempre tem tiques. Já notaram? Observo as mãos. Roía as
unhas.Insegurança total, medo de viver. Filho drogado? Bem provável.
Como era infeliz esse meu personagem.  Uma hora tirou o lenço e eu já
estava esperando as lágrimas quando ele assoou o nariz violentamente,
interrompendo o Paulo Coelho da outra. Faltava um botão na camisa.
Claro, abandonado pela esposa. Devia morar num flat, pagar caro, devia
ter dívidas astronômicas. Homossexual? Acho que não. Ninguém beijaria
um homem com um bigode daqueles. Tingido.

4) Mas a melhor, a mais doida, era a louca gorda e baixinha. Que bunda
imensa. Como sofria, meu Deus. Bastava olhar no rosto dela. Não devia
fazer amor há mais de trinta anos. Será que se masturbaria? Será que
era esse o problema dela? Uma velha masturbadora?  Não! Tirou um terço
da bolsa e começou a rezar. Meu Deus, o caso é mais grave do que eu
pensava.Estava no quinto cigarro em dez minutos. Tensa. Coitada.  O
que deve ser dos filhos dela? Acho que os filhos não comem a
macarronada dela há dezenas e dezenas de domingos. Tinha cara também
de quem mentia para o analista.  Minha mãe rezaria uma Salve-Rainha
por ela, se a conhecesse.

Acabou o meu tempo.  Tenho que ir conversar com o meu psicanalista.
Conto para ele a minha "viagem" na sala de espera. Ele ri, ... ri
muito, o meu psicanalista, e diz:

- O Ditinho é o nosso office-boy.

- O de terno preto é representante de um laboratório multinacional de
remédios lá no Ipiranga e passa aqui uma vez por mês com as novidades.

- A gordinha é a Dona Dirce, minha mãe.

- E você, não vai ter alta tão cedo...

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